ATO I
Quando me divorciei do meu primeiro marido, pensei que a vida também havia terminado. Ele disse que não me amava mais como mulher, na realidade acho que nunca amou, e num café da manhã me pediu a separação, no mesmo tom de voz que me pedia para lhe passar o leite.
Perguntei logo se ele tinha outra, descobri da sua boca e de alguns contatos que não. Então porque aquilo? Ele, playboyzinho mimado e filho de pais divorciados tinha ótima condição financeira antes de casarmos e não suportou nossa vida simples e cheia de esforços. Voltou a morar com a mãe um ano depois de nossa vida conjugal. Se o motivo foi financeiro, Fábio tomou uma atitude precipitada, pois logo consegui um grande emprego num hospital psiquiátrico e me destaquei com minha clínica, onde finalmente puder ser a psicóloga que sempre sonhei ser um dia, com um salário que fazia jus à minha competência.
A separação foi difícil, só Deus sabe o que sofri. Amargurada e desesperada encontrei na bebida um consolo, na maconha um colo amigo. Com isso veio a carência, e lá se foram outras noites atrás de velhos amigos cujos corpos esculturais não combinavam com as mentes sujas e conversas vazias. Me sentia uma merda transando com os primos das minhas amigas, alguns esperando fazer o marketing com a psicanalista conhecida na sociedade, outros procurando um amor, coitados. Comecei a dar aula numa universidade. Os meninos de lá eram mais liberais e dispostos a tudo para alimentar o meu ego. Era isso que eu precisava, longas massagens no meu ego. Como era fácil levar esses alunos pra um motel, bastava uma conversa intelectual, pagar algumas bebidas, fumar um baseado antes e uma carreira depois. Daí as vezes alguns queriam conversar a noite toda, e eu só queria dormir. Me sentia culpada, o fantasma de Fábio não me largava e resolvi então começar a buscar o prazer com homens e mulheres as quais só o corpo me atraia.
Passei a pagar prostitutas, não ia pegar aluna e ficar com fama de sapatão. Psicólogo já sofre com fama de porra louca, daí ficar com fama de sapatão e maconheira, tava fodida. O ato sexual era frio e satisfatório dentro de sua própria intenção, a fêmea sobre a fêmea, sem dominação, mas após o gozo uma depressão me tomava, às vezes mandava a puta ir embora e me encolhia aos prantos. A falta de um amor verdadeiro me transformava num ser infantil e carente. Fábio me fazia cada vez mais falta. Às vezes ia na frente da sua casa e o fitava escondida. Ele havia batido o carro e torrava a grana que eu agora tinha que pagar de pensão pra ele com uma loirinha gostosinha. Minha decadência era evidente tanto física quanto emocionalmente e o trabalho era a única coisa que me restava.
Eis que um dia, acidentalmente encontrei aquele homem, não foi sua beleza que me impressionou, mas seu caráter e seu jeito simples de ser maravilhoso. João trabalhava com Fábio, nos vimos poucas vezes apesar de eu conhecê-lo bem, pois meu ex-marido falava muito do amigo e de sua separação que se deu bem antes da nossa. O caso do João era diferente, formado em medicina casou-se com uma artista plástica enquanto fazia residência. João desistiu da medicina e fugiu com a artista, viveram bem por dois anos. Ela sempre acompanhava o marido em todas as farras, mas a grana acabou e ele teve que voltar a trabalhar, arrumou um emprego na área de administração porque odiava medicina e conheceu Fábio.
Fábio casou comigo e logo depois João se separou.
Saí algumas vezes com o João, e onze meses depois do início do namoro, casamos. Vivemos uma vida maravilhosa, nunca discutíamos e essa estabilidade emocional foi um trampolim que me proporcionou vôos muito mais altos. Era enfim, o fim das noitadas inúteis, de comer alunos e alunas. João me fazia sentir a mulher mais feliz do mundo apesar do seu temperamento difícil, mas eu estudei oito anos psicologia e psicanálise para lidar também com isto.
Fizemos incontáveis viagens, cada vez uma nova lua de mel. João tinha o dom de parecer um anjo protetor e satisfazer todas as minhas vontades.
Mas tudo mudou numa crise no emprego dele. Eu, apesar da minha fidelidade declarada era uma moça falante e agradavel com as pessoas, sobretudo meus alunos e isso o deixava muito inseguro quanto as minhas reais intenções já que ele soube das minhas histórias do passado.
Nesse dia eu estava lendo “Operação cavalo de Tróia”, de J.J. Benítez, quando percebi em alguns trechos a semelhança desta obra com “O enviado” do mesmo autor. Fui consultar o exemplar de minha humilde biblioteca para fazer a comparação e eis que surpreendentemente havia uma lacuna no espaço anteriormente ocupado pelo livro. Fui imediatamente ao quarto onde João estava só de cuecas e deitado na cama lendo “O pequeno príncipe”, perguntei:
- Você viu O Enviado?
Ele me olhou por cima dos livros, sem movimentar qualquer outra parte do corpo com exceção do globo ocular. Não respondeu. Perguntei novamente. Sua face enrubesceu e respondeu em tom quase imperceptível:
- Joguei fora.
- Jogou fora? - Inquiri quase como eco.
- É, joguei fora.
- Jogou fora? – A idéia finalmente fazia sentido – Jogou fora? Jogou fora? - A ira me tomou o dom da palavra e esbravejando continuei: - Jogou fora, porra! Porque? Vc tá maluco?
- Joguei fora e pronto.
- Que absurdo, eu não acredito !
- O que é que tem?
- Não se joga um livro assim sem mais nem menos e não é a porra de um livro, é o meu livro, caralho! Meu livro.
- Amôr... – Era nossa primeira briga. Não queria desequilibrar uma relação qie sempre se baseou no equilibrio. Respirei fundo, contei até dez e recomecei quase como se fosse minha culpa:
- Por que você fez isso?
- Foi por bobagem – ele enfim saia da sua posição de inércia e deixando a cama e o príncipe de lado partiu pra me abraçar. Deixei meu ombro para suas lágrimas e ele me apertava como se fosse me partir. Recomeçou: - ... foi ciúmes.
- Ciúmes de um livro?
- Não.
- Do que então?
Continuamos abraçados em silêncio. Era sempre assim quando ele não queria falar, eu o abraçava e ficávamos em silêncio por algum tempo até que ele reunisse as palavras e a coragem fosse suficientes para contar.
- Eu queria ler aquele livro... li a contra capa e... – parou. Mais silêncio, mais abraço. - ... quando abri o livro, nas páginas iniciais eu vi... – mais uma pausa, desta vez com raiva nos olhos... – Vi a dedicatória que o Fábio te escreveu.
- E daí meu amor, isso não é motivo pra fazer o que vc fez... O que passou, passou.
- Mas eu senti raiva, saber que você foi dele, que foram felizes...
- Você sabe que por mais que tenha sifo feliz com o Fábio, estou sendo muito mais com você.
- Não sei se isso é verdade e nunca vou saber.
- Que idiotice é essa agora? Se eu gostasse dele, ainda estaríamos casados.
- Foi ele quem te largou Diana, não você.
- É... – tentei contornar a situação. – Mas passado é passado. Ter ciúmes dele é ridículo. Eu te amo e isso é que importa. Vamos procurar na lixeira, talvez o livro ainda esteja lá.
Ele continuou em silêncio e eu argumentei:
- Entenda, é só um livro.
- Não te faz lembrar do passado?
- Faz. Mas entenda que eu sou hoje resultado desse passado, sou o que sou pelas experiências que tive, construi os meus erros, não posso apága-lo, entende?
- Entendo, mas não aceito.
Nos beijamos e recobramos a habitual paz.
- Vamos ver se encontramos o livro? Falei em tom amistoso.
- Impossível.
- Por que? Eu já te disse que não tem nada a ver.
- O problema é que eu queimei o livro.
Depois do choque, comecei a rir do ridículo da situação. João também riu. Na semana seguinte ele me deu outro exemplar com a dedicatória do mesmo livro anterior, só que com a sua assinatura. JOÃO. Em maiúsculo.
ATO II
Dois meses depois eu soube da morte do meu ex-marido. Fábio havia sofrido um acidente automobilístico, exímio motorista e aquele acidente ficou na minha cabeça. Fiquei deprimida pois, por mais que ele não representasse mais nada pra mim, tivemos uma vida juntos e ver um jovem abandonar assim a matéria nos mostra o quanto somos pequenos diante dos mistérios da vida. João, ex-amigo e ex-confidente do meu ex-marido pareceu não se abalar. Quando eu tocava no assunto ele respondia: - Por que chorar? O que passou, passou.
Uma nova crise de ciúmes se apossou de João quando em sonho falei o nome do Fábio. Ele acordou me empurrando, fazendo eu me esquecer do sonho. João gritava como louco: - Nosso caminho agora está livre! E me sacudia desesperadamente. Eu ainda em processo de adaptação ao mundo pude entender o que ele queria dizer, mas aquelas palavras ecoaram em meus pensamentos durante semanas. Tomei coragem num domingo de manhã e perguntei:
- O que você quis dizer com aquilo?
- O quê?
- “Nosso caminho agora está livre!”
- Eu te amo... – ele disse e baixou os olhos. Abandonei minha posição de espectador e o abracei forte, ele então desmoronou, começou a chorar e a dizer que me ama.
- Você... – perguntei algo que formulava em meus pensamentos - ... tem alguma culpa no acidente do Fábio?
- Não fale mais esse nome na nossa casa. Disse apontando o dedo indicador rijo pra mim. Chorou e eu entendi a sua culpa. Nos abraçamos e assim ficamos todo o domingo. Quando resolveu falar, disse que havia desregulado o freio do carro de Fábio após achar umas fotos antigas numa caixa.
Decidimos que o melhor a fazer, seria mais uma lua de mel. Ninguém merecia saber o acontecido. O ciúme do Fábio não tinha mais razão de voltar e eu merecia uma outra chance de ser feliz.
ATO III
Nossa viagem, que deveria ser como todas as outras, teve no seu desfecho, um ato trágico. Dias depois que chegamos em casa percebi que em meu guarda-roupa só havia peças novas e que todas as outras que vinham do casamento anterior tinham desaparecido. Como de praxe após a cena de choro e raiva do João, ele me confessou que havia queimado todas as roupas velhas.
Isso me trouxe alívio, pois finalmente não existia mais nada do meu tempo com o Fábio e o João agora sim iria relaxar. Me enganei.
De repente, o interesse do João em voltar a exercer a medicina me causou espanto, mas logo foi motivo de orgulho, ele estava vivendo de novo. Passava noites e mais noites estudando sozinho lendo, re-lendo e fazendo anotações. Provavelmente iria retomar a residência.
Se era ou não invenção do destino, é dificil dizer, mas a verdade é que cheguei em casa numa quarta-feira com a notícia de que uma van carregando oito noviças havia capotado num barranco perto de nossa casa. Trouxe a notícia e ví João se despedir de mim e ganhar as ruas apressado. Ele voltou depois de duas horas enquanto eu tentava pela enésima vez ler A divina comédia.
João trazia uma caixa de isopor como quem segurava um feto.
- O que é isso? - perguntei.
Ele me sorriu de um jeito malicioso como fazia quando encontrava algum brinquedo para nossas noites. Ele esquentou a janta e me serviu na sala, onde eu e Dante nos reuníamos. A última coisa que me lembro é de beber um suco de laranja enquanto meu marido enfim, sorria pra mim.
Quando despertei em minha cama, 3 dias depois, fiz o que normalmente fazia. Beijei a boca do meu marido, que mesmo domindo ainda exibia um sorriso pleno. Só entendi quando fui tomar banho minutos depois de acordada. João havia decepado a minha boceta, queimado e jogado fora, como fez com meu livro, minhas roupas e meu ex-marido. Arrancou-me as auréolas dos seios e colocou bicos róseos na minha pele morena. Aquilo era a única coisa que me restava e que havia pertencido também ao falecido, mas sabendo a falta que o próprio iria sentir, João implantou em mim as auréolas e a boceta virgem de alguma noviça morta no acidente.
E enfim, vivemos felizes para sempre.
3 comentários:
fantastico!
mas vc precisa rever o ato 2, vc fez confusao com os nomes, morreu fabio e vc disse q foi joao. corrija. no mais ta sensacional!
Mas você é mesmo rápido no gatilho, Túlio. Obrigada pelo toque, assim que eu postei e reli, saquei essa. Acho que lemos ao mesmo tempo.
G.
pode (ab)usar. Encaminhei o link pro Lima, mas pode escrever pra ele. O email é: verbo21@terra.com.br
Ele disse que tentou postar aqui e não conseguiu... tsk tsk tsk... liga não, ele é assim mesmo.
Digaê, Tulião!
Beijo, G.
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